(POR) O circo Bravo Aqua show apresenta-se sob a lona das cores do seu país de Origem: a Ucrânia. O Jornal "Lagoa informa" dá a conhecer a história do circo que escolheu o nosso país para fugir à Guerra.
"Lagoa volta a ter espetáculo de circo
O Circo Bravo chegou há pouco mais de três semanas ao Algarve e está a apresentar o ‘Aqua Show’ em diversas cidades da região. Lagoa recebe-o, entre esta sexta-feira e domingo, de 21 a 23 de outubro, no recinto do Parque de Feiras e Exposições na FATACIL, com o preço promocional de dez euros no primeiro dia.
É um regresso ao concelho, desde uma longa interrupção, de uma estrutura das artes circenses, de maior dimensão.
Com um conceito diferente de outros, muito baseado na água, a equipa tem um passado recente de fuga à guerra da Ucrânia. Escolheu Portugal pelo clima e pelo caloroso acolhimento. Prometem, portanto, tentar corresponder às expetativas do público, apresentando um espetáculo variado, com ilusionismo, um palhaço, equilibrismo e até bolas de sabão.
O grande elemento diferenciador é a utilização de 120 fontes de água, junto ao palco, sincronizadas com as atuações que vão decorrendo ao longo da sessão.
“Para as crianças temos o palhaço e depois também teremos um artista vestido de urso. Cada elemento da equipa apresenta o seu talento. Não temos animais, à exceção de um coelho e duas pombas, para o espetáculo de magia”, conta Mikhail, administrador do Circo Bravo ao Lagoa Informa.
Tal como em Portugal, também na Ucrânia, as leis são semelhantes no que diz respeito à utilização de animais no circo, evitando que vivam em cativeiro.
Na génese, a essência é espantar o público, fazer rir e levar a que as pessoas se divirtam. Tiveram, no entanto, de ultrapassar muitas dificuldades. A barreira linguística, com a apresentação de um espetáculo num idioma que não conhecem, foi uma delas. Contaram com novos amigos portugueses, que conheceram quando chegaram, que gravaram as ‘falas’, que agora transmitem. Falam inglês e tentam contornar as barreiras típicas de um país que lhes é estranho. Deixaram, contudo, dificuldades maiores quando partiram para um novo desafio.
Na atualidade, a equipa é composta por 17 pessoas, na maioria artistas e mostram-se satisfeitos, pois têm sentido uma boa adesão aos espetáculos, com as pessoas a tecerem elogios ao final de cada sessão.
“Juntar uma equipa como a nossa, como se fôssemos família, demora cerca de dez anos. Há muito que alguns de nós estão juntos, mas esta equipa, com estes elementos, só está assim há dois anos. O artista que veste a pele de palhaço é o único que entrou de novo agora. Ainda assim, têm todos muita experiência”, explica Mikhail.
Na sua opinião, com a guerra deixada para trás, o melhor que estes artistas têm agora até nem é o dinheiro, mas o material, condições e equipamentos individuais necessários para poder subir ao palco, sempre com entusiasmo e com atenção ao mais pequenos detalhes. Percorreram um longo caminho para mostrar a experiência acumulada de diversos anos e tentar que os espetadores passem um bom bocado, enquanto deixam as mágoas para trás.
FUGA DA GUERRA
O circo nasce na Ucrânia, em 1997. Vários amigos estudavam na ‘Variety and Circus Academy’ e decidiram combinar conhecimentos, criatividade e vontades para criar o Circo Bravo. Antes da guerra atuaram em diversas cidades, chegaram a ser convidados para apresentarem os seus talentos numa ilha na Grécia e também na Bielorrússia. Era, aliás, lá que estavam quando rebentou a guerra com o ataque militar da Rússia à Ucrânia. Já ninguém podia voltar à sua terra natal e, onde estavam, também não podiam ficar, pois é um país aliado da Rússia. Fugiram então para a Polónia.
A maioria do material que tinham e precisavam estava na guardado numa cidade fronteiriça com a Bielorrússia. Isto porque, conforme recorda Mikhail as apresentações estavam a decorrer em auditórios e teatros, não havendo necessidade de levarem tenda e outros equipamentos mais pesados.
“Quando fomos para a Polónia, não tínhamos nada. Entretanto, soubemos que as tropas russas, quando entraram na Ucrânia, tinham-nos roubado tudo o que achavam que seria valioso. Também não podíamos correr o risco de lá ir, pois os homens com 60 anos que entrassem já não poderiam sair. Tinham que ir combater”, descreve Mikhail.
Então resolveram mudar de rumo e juntaram esforços para montar de novo o circo. Encomendaram uma tenda a um especialista na República Checa e tinham na mente viajar para Portugal. “Fomos buscar a tenda, abrimos para ver se estava em condições e pensámos vir direto para cá, mas já não tínhamos dinheiro. Gastámos tudo o que tínhamos... Regressámos à Polónia, conseguimos chamar o resto dos artistas que estavam ainda na Ucrânia, na escola de circo, em Kiev, atuámos e fomos comprando tudo o que precisávamos. Assim que juntámos dinheiro, viajámos”, relembra.
COMEÇAR DO ZERO EM PORTUGAL
Quando foi necessário decidir o futuro da equipa circense, a filha do diretor do circo sugeriu Portugal. O responsável deslocou-se ao país para ver se havia condições e ficou rendido. “Na Ucrânia, o Inverno é muito rígido, com temperaturas negativas e muita neve. Em Portugal o clima é ameno, dando para trabalhar todo o ano”, traduz Denys Chebotar, ucraniano residente em Lagoa há mais de uma década.
Outra das razões foi o facto do povo português ser acolhedor para com os imigrantes. “Foram recebidos como em nenhum outro lugar”, acrescenta.
Não foi fácil para o Circo Bravo iniciar esta aventura, pois durante alguns meses, os responsáveis tiveram de comprar todo o material e trabalhar para angariar dinheiro, que lhes permitisse viajar até Portugal. “Conseguiram alguns créditos para adquirir material, pois há equipamentos que são muito caros como os geradores, os veículos, caravanas para dormir”, descreve o tradutor, enquanto Mikhail vai relatando a aventura.
Foram comprando aos poucos, pediram emprestado, fizeram diversos espetáculos na Polónia, durante três meses, e assim que conseguiram o dinheiro necessário para fazer os cerca de quatro mil quilómetros entre a Polónia e Portugal, meteram-se à estrada.
SERÁ DIFÍCIL REGRESSAR À UCRÂNIA
É com um semblante de pesar que Mikhail vê a guerra na sua terra natal. “É triste”, lamenta, argumentando que será complicado pensar num regresso, ainda para mais quando apresenta um espetáculo de entretenimento. “Isto é para as pessoas se divertirem. Se calhar um dia... Precisa, porém, de passar muito tempo até o país ser reconstruído e não dá para voltar”, assegura.
“Claro que, se alguns dos artistas que estão connosco quiserem regressar, não são obrigados a ficar cá”, afirma ainda. Também as famílias estão dispersas por diferentes países da Europa. Para estes artistas conseguirem sair da Ucrânia, foi necessário os responsáveis do Circo Bravo, escreverem uma carta às entidades, a solicitar que deixassem os profissionais sair daquele país, pois todos os homens até aos 60 anos tinham de ficar e lutar pela pátria.
NO ALGARVE ATÉ FINAL DO ANO
Para já, adianta que até ao final deste 2022, o Circo Bravo apresentará espetáculos nos diversos concelhos do Algarve. No início do mês estiveram em Lagos, tendo-se seguido Monchique, e, agora, Lagoa. A próxima cidade deverá ser Portimão, mais ainda não há uma data concreta. O plano deverá seguir para o norte do país, em 2023.
UM TRADUTOR QUE VIVE EM LAGOA
Denys Chebotar vive, desde dezembro de 2006, no concelho. Também é ucraniano, mas há muito tempo que trocou a sua terra natal pelas condições do Algarve. Para já, está a ajudar na tradução, enquanto não encontra um trabalho permanente, pois a língua ainda é uma barreira para a equipa do Circo Bravo.
Quando estalou a guerra, começou a ajudar, como voluntário, na recolha de donativos no Lagoa Business Center para a associação 'Anjos da Misericórdia'. “Naquela altura, trabalhava no hotel Tivoli Carvoeiro, que também ajudou bastante com donativos de produtos de higiene, almofadas e edredons. Foi tudo muito repentino e toda a ajuda era necessária. O diretor do circo conhecia uma das pessoas que estava na associação e foi ela que, sabendo que não estava a trabalhar agora, me desafiou a acompanhar a equipa e fazer a tradução”, enquanto não “encontro um trabalho” permanente, revela.